O cavalo Caramelo

Quando eu era guri, comida de cachorro era osso, lavagem e carniça. Meu pai dizia que os gatos lá de casa, criados para caçar ratos e espantar cobras ao redor da casa, eram muito ladrões

A imprensa gaúcha, especialmente, e boa parte da mídia nacional tem se ocupado a dar destaque à calamidade pública no Rio Grande, durante este mês de maio de 2024. Tragédia nunca vista antes.

Muitos resgates traumáticos foram testemunhados ao vivo, gestantes, deficientes físicos, crianças, idosos, doentes e animais de diversas espécies. Nenhum deles, no entanto, chamou mais atenção do que o do cavalo Caramelo. Um animal tostado malacara de aparência debilitada, que acabou refugiado por alguns dias no topo de um telhado de zinco no município de Canoas. Sim, no teto de uma casa.

Conforme todo mundo sabe, cavalo não voa, então deve ter ido parar ali no alto ou carregado pela enxurrada ou nadando, em desespero, no instinto de buscar a sua sobrevivência. Seu resgate por uma equipe do brioso Corpo de Bombeiros, constituída por gaúchos e paulistas, foi igualmente fantástico e comovente, citado até pelo Lula (que não dormiu aquela noite, pensando na situação do cavalo velho !?) em uma live de apoio moral e tranquilizador aos riograndenses atingidos.

Eu, que tenho origem no campo, sei muito bem e posso avaliar com propriedade neste momento a importância de um animal doméstico e de estimação para uma família pobre, moradora da periferia, e o quanto representaria a perda do seu animal de tração.

De uma hora para outra, o Caramelo virou celebridade. Conquistou cuidadores, ganhou uma baia confortável e ração de primeira linha. Apareceu gente querendo adquiri-lo a peso de ouro, pelo simbolismo cultural e midiático da situação inusitada.

Mas e o dono do Caramelo, como estaria? Teria sobrevivido com sua família? Tem interesse em se desfazer do seu burro de serviço? O presidente disse que aquele animal nunca mais deveria ser montado. Que deveria ser aposentado pelo perrengue que sofreu no alto daquela cumieira cercada de água por todos os lados… Quem é que faria o seu trabalho quando o tempo melhorasse?

O número de cães e gatos resgatados das águas furiosas é impressionante. Hoje em dia, quase toda família possui animais de estimação de pequeno porte e esta nova prática cultural obrigou ao surgimento de um importante segmento econômico de rações, medicamentos, vacinas e acessórios correlatos.

Quando eu era guri, há pouco mais de meio século, comida de cachorro era osso, lavagem e carniça. Meu pai dizia que os gatos lá de casa, criados para caçar ratos e espantar cobras ao redor da casa, eram muito ladrões. Viviam em cima da mesa, roubando pedaços de pão ou restos de comida. Não lhes davam ração, nem adequadas e nem de qualquer tipo. Os gatos é que se virassem para comer. Então roubavam para sobreviver.

Dizem que um bichinho de estimação acalma e abranda o comportamento dos humanos. Eu tenho dois cachorros e uma gata e sou capaz de me atirar na enchente para salvar a vida de qualquer um deles.