A edição de A bela e a fera da Coleção Clássicos Zahar reúne duas versões dessa estória: a original, mais detalhada, escrita por Madame De Villenueve em 1740; e a clássica, publicada por Madame De Beaumont em 1756, que traz apenas os pontos centrais da narrativa.
Na “Apresentação” desta edição, há uma curiosidade (p. 7-10): a trama pode ser baseada na história de um espanhol que sofria de hipertricose, síndrome genética que causa o crescimento anormal de pelos em todo o corpo, exceto na palma das mãos e na planta dos pés. Educado na corte do rei Henrique II, na França, ele ganhou a confiança do monarca e adquiriu funções diplomáticas. Após a morte do rei, a rainha Catarina de Médici resolveu fazer uma experiência, e casou-o com uma linda moça para saber como seriam seus filhos.
Seguindo a ordem trazida no livro – e que me parece a mais benéfica ao contraponto entre as duas versões –, começo falando sobre a clássica. Madame De Beaumont sempre teve uma ligação com a educação de crianças, em especial meninas. Ela fundou algumas revistas com conteúdos sobre boas maneiras e princípios morais e, em uma delas, Le Magasin des Enfants, publicou o conto “A bela e a fera” pela primeira vez.
Bela é filha de um comerciante muito rico que, de repente, perde tudo e tem de se mudar com a família para o campo. Um ano depois, ele é informado de que um navio com mercadorias suas chegara e vai à cidade para vendê-las. Ao retornar, durante uma nevasca, se perde e acaba em um caminho que leva a um castelo, onde se aquece, se alimenta e descansa à noite.
No dia seguinte, indo selar o cavalo, passa por uma roseira e colhe um ramo. Nesse instante, surge a Fera, furiosa com o roubo da flor, ameaçando matá-lo. O pai de Bela explica que apenas colheu a rosa para dar a uma das filhas, e a Fera, então, diz que ele deve ir embora e mandar uma delas para morrer em seu lugar, ou retornar em três meses e cumprir ele mesmo a sentença.
Em casa, o pai conta o que acontecera, e Bela se dispõe a substituí-lo. Mas, chegando ao castelo, ela descobrirá que, na verdade, o que a Fera quer é se casar.
Na versão original de “A bela e a fera”, publicada por Madame De Villenueve no livro La Jeune Américaine, ou Les Contes marins, Bela também é filha de um comerciante muito rico que perde tudo e tem de ir morar no campo. Mas, nesse ponto, começam as diferenças entre as versões. Se, na clássica, as irmãs se acham superiores e se recusam a ajudar nas tarefas, nesta, trabalham tanto quanto Bela e os irmãos.
Voltando da cidade aonde fora cuidar de negócios, o comerciante se perde e acaba em um castelo, onde vê uma linda roseira e decide colher algumas flores para Bela, mas é flagrado por Fera, que nessa versão é um ser violento e o agride. Para tentar safar-se, ele explica para quê queria a flor, e Fera diz que o perdoa se lhe entregar uma das filhas.
No caminho para casa, o pai decide não falar nada sobre Fera à família e enfrentá-la quando chegar a hora. Mas, ao ser questionado por apenas Bela ser presenteada, ele conta os detalhes da viagem. Como na versão clássica, é Bela quem se propõe a ir para o castelo. Mas nessa, o comerciante fica relutante quanto a isso até lembrar-se de uma profecia e desistir de se opor. Assim, quando chega o dia marcado, ela é entregue a Fera.
No castelo, a moça sonha com um rapaz que pede que o conheça de verdade e lhe permita aproximar-se dela. Acordada, reflete sobre o que sonhara e conclui que ele é um prisioneiro de Fera. Esses sonhos se repetem, e Bela começa a idealizá-lo. Até um dia ele lhe pedir que se case com Fera para libertá-lo.
A versão original é mais longa, dividida em três partes e tem mais personagens. A maior extensão permite que alguns pontos sejam mais desenvolvidos – o que os torna mais interessantes –, como a explicação sobre a maneira com que Fera adquire aquela aparência, que é mais detalhada e surpreendente. Além disso, após ela recuperar a forma humana, não vem o ‘felizes para sempre’, mas sim a chegada de sua mãe – o que não ocorre na clássica –, quem não fica nada satisfeita com Bela ser filha de um simples comerciante.
Outra diferença que gostaria de destacar é que, na versão original, é explicado como as coisas surgem do nada para atender aos desejos de Bela. Mas a versão clássica não fazê-lo não é um defeito, afinal, ela foi escrita para crianças e, assim, faz sentido que se mantenha um pouco dos mistérios da magia.
Referência:
BEAUMONT, Madame De; VILLENUEVE, Madame De. A bela e a fera. Tradução: André Telles. Apresentação: Rodrigo Lacerda. Ilustrações: Walter Crane e outros. 1ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2016. 240p.