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Entretanto, tudo mudou. Abelhas, quase não há, porque os humanos usaram e abusaram da natureza. Nas ruas, empresas de segurança público-privadas fecham acessos, impedindo o trânsito das pessoas em nome da proteção. Mas se proteger de quê? E por quê?
A extinção das abelhas, de Natalia Borges Polesso, é narrado (quase todo) em primeira pessoa por Regina, uma mulher de 40 anos, hipertensa, diabética e que se sente muito solitária. Mas nem sempre foi assim. Logo no início da narrativa, ela relembra um passeio com os pais e um casal de amigas, Denise e Eugênia, em que fugiram de um enxame de abelhas. A forma como conta essa história mostra que aquela era uma época feliz.
Entretanto, tudo mudou. Abelhas, quase não há, porque os humanos usaram e abusaram da natureza. Nas ruas, empresas de segurança público-privadas fecham acessos, impedindo o trânsito das pessoas em nome da proteção. Mas se proteger de quê? E por quê?
Num futuro distópico não tão longe da realidade, prisões de trabalho são construídas, jovens militarizados e promessas difíceis de serem cumpridas feitas por um presidente ex-apresentador de um programa de TV em que ‘ajudava’ as pessoas. A população tem dificuldade de conseguir comida, já que os pequenos mercados são abastecidos apenas com os restos. E uma grande reforma educacional foi implantada, voltando todos os cursos para um viés tecnológico e causando a demissão de professores, que se tornaram obsoletos na nova realidade e foram substituídos por palestrantes.
Mas não apenas o Brasil vive uma situação assim. O caos opera em todo o mundo, o que leva à criação do colapsômetro, um equipamento que mede quão perto cada região está do colapso. Quando líderes mundiais se reúnem para lançá-lo em um grande evento, se vê que ele não mede, por exemplo, o aquecimento global (uma das grandes preocupações atuais, embora negada por muitos), mas tem a extinção das abelhas como um de seus principais índices.
Se os números de determinado país ou região atingirem os níveis mais altos no colapsômetro, pelo bem do resto da humanidade, aquele lugar será fechado e não receberá nenhum suporte. Será como se não mais existisse. Mas o que acontecerá com seus habitantes? Essa resposta virá mais cedo ou mais tarde, pois o mundo caminha a passos largos para o colapso total, assim como Regina.
Órfã de pai e sem saber notícias da mãe, ela tem como família Denise e Eugênia, que lhe deram uma amiga-irmã (como é descrito no livro), Alice. Mas a relação entre elas não vai muito bem, há um conflito entre Denise/Eugênia e Regina/Alice. Estas têm uma visão bem crítica do mundo, enquanto o casal concorda com o que vem sendo feito. De fato, algumas coisas ditas por Denise (especialmente) e Eugênia são tão surreais e (o pior) condizentes com o que pensam pessoas na ‘vida real’ que se tornam ainda mais assustadoras. É de tirar o fôlego e embrulhar o estômago.
Referência: POLESSO, Natalia Borges. A extinção das abelhas. 1ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. 312p.