A história do pinto cego

“Encontramos ele magrelo, perambulado pelo terreno, desgarrado do seu bando”

Há poucos dias, me referi, em outra croniqueta, a um fato acontecido no terreiro aqui de casa: um pinto da raça sebright, cujo reprodutor máster comprei de uma veterinária caçapavana que reside em Maringá (PR). Pra quem não conhece, é uma raça de garnisé, de origem inglesa, com as penas muito vistosas, nas cores ouro e prata.

Pois o dito pinto, oriundo de uma ninhada de sete galináceos, de um ninho extraviado no pátio de uma casa vizinha, perdeu a visão depois de um mês e pouco de vida. Encontramos ele magrelo, perambulado pelo terreno, desgarrado do seu bando. Recolhido a uma caixa de papelão sem fundo, passou a ser alimentado e cuidado na sua deficiência não decifrada. Mesmo sem enxergar, ele encontra os grãos de milho na tigela e gosta muito de uma folha de couve picada.

Recentemente, outra garnisé resolveu abandonar seu filhote único, com pouco tempo de vida, e mandou-se a la cria, gavionando pelas redondezas, deixando de exercer a suas obrigações responsáveis, inerentes às tarefas maternais. Já anda se faceirando para o machario da sua espécie, aproveitadores das suas facilidades. Não duvido nada que também já não ande frequentando furdunços baileiros nesses finais de semana invernosos.

E pra completar essas esquesitices penosas que andam acontecendo ultimamente, um galo arrepiado resolveu se travestir de “pai solo” e adotou o pintinho abandonado sob o calor de suas asas despenadas nestes tempos calamitosos do inverno caçapavano. E escolheram para abrigo noturno a casa dos cachorros, sobre os cobertores que lhes servem de ninho. E mais, uma galinha antiga resolveu botar seus ovos também na dita casa, e o que é pior: os caninos nem quebram e nem comem os ovos ali depositados.

Enquanto isso, parte da humanidade, muito pior do que os bichos de cérebro diminuto, apregoa o isolacionismo social, a falta de respeito, a altivez, o desprezo pelos menos aquinhoados e o ódio aos animais domésticos em geral. Os homens poderosos que governam o mundo nunca se cansam de empreender mais guerras para aniquilar crianças e civis desprotegidos das balas e também da fome, e destruir o planeta dito civilizado. A ganância sem limites só ousa se agrandar, sob pretextos os mais diversos, nem que para isso seja necessário e obrigatório oprimir ainda mais quem nem abrigo minimamente confortável para viver dignamente possui ou, se já os possuiu, já lhes perdeu para o vício, para a pobreza ou mesmo para si mesmo.

A caridade gratuita custa muito caro para os países, para a sociedade e até para os próprios que vivem de esmolas. Não deixa de ser atual aquela máxima de que somente entregar o peixe para quem não sabe pescar nunca chegará a matar totalmente a sua fome. Eles acabam se contentando com o consumo das iscas.

Qual será o futuro do pinto cego que vegeta de um canto para outro no universo da sua caixa, sem perspectivas de emancipação junto aos outros da sua laia no universo do seu terreiro? Pelo menos enquanto eu viver, estará livre da panela.