A trilogia do gaúcho a pé – parte I

A trama se passa em meados da década de 1920 e, enquanto acompanha o crescimento de Chiru e o início de sua vida adulta, mostra as mudanças pelas quais a vida no campo passa

E uma bruta saudade, grande como a lua, acendeu de supetão na alma do gaúcho. Uma gana de voltar pelos caminhos andados… De ser outro, de ser como contam que foram os gaúchos andarengos de antigamente. De ser o que de certo fora seu pai, o índio vago… O que era ele, Chiru, o mascate, o lambe-espora? Um sotreta! (MARTINS, 1997)

Em Sem rumo, romance de Cyro Martins que abre a “Trilogia do gaúcho a pé”, encontramos Chiru ainda criança, órfão, acostumado com a vida do campo. A obra é narrada em terceira pessoa e, enquanto nos relata o começo do dia de tarefas do guri, o narrador também apresenta a estância em que trabalha o protagonista, o Silêncio.

Mas se a paisagem é bonita e traz boas lembranças àqueles leitores que viveram em lugares assim, algumas pessoas têm péssimo caráter e são más com o pequeno Chiru, como o capataz Clarimundo, uma figura truculenta, que com sua simples presença deixa desconfortável até mesmo a própria esposa, Evarista. É alguém que ninguém gostaria de ter por perto. Inclusive, a filha pequena de Evarista, por medo, sequer se aproxima dele.

Ainda nas primeiras páginas de Sem rumo, são apresentados outros estereótipos do gaúcho, enquanto se relata o dia a dia dos peões de estância. Nicanor Ayres, o dono da propriedade, também merece ser destacado, pois representa o homem do campo que deixa de lado a dureza característica da pessoa acostumada a trabalhar pesado ao aproximar-se da neta pequena, Célia, de dois anos. Ao vê-la, ele se derrete e é só doçura.

A trama se passa em meados da década de 1920 e, enquanto acompanha o crescimento de Chiru e o início de sua vida adulta, mostra as mudanças pelas quais a vida no campo passa, incluindo os reflexos da Revolução de 23, que terá grande impacto no rumo da narrativa, pois Chiru não aguentará ser maltratado para sempre. Pelo menos não na Estância do Silêncio…

Referência: MARTINS, Cyro. Sem rumo. 6ed. Porto Alegre: Movimento, 1997. 154p.