“E assim vou levando a vida
Prossigo amanunciando potros
Como antes já fiz com tantos outros
Que Deus colocou no meu caminho”
Potros, que potros? Se nunca fui domador, nem sequer tratador de cavalos e nem teria mais idade para isso, inclusive?
Ah, mas… Eles existem sim, soltos das patas, araganos e reiúnos em busca de melhores pastos: potros sem dono, de crinas longas, esvoaçantes, galopando por aí nesse mundão de meu Deus, por onde alguns bravos ainda sobrevivem na independência da liberdade campesina, sem destino, orelhanos de marca e sinal. Potros sem dono.
Os meus, esses “que Deus colocou no meu caminho”; esses que ocasionalmente desaparecem no além das dobras das coxilhas da mente; esses poucos a que me atrevo a recolher para o piquete do peito; esses que cavalgo pelas veredas soturnas da imaginação; esses tantos de pelos tobianos, baios e cebrunos; esses existem e são os meus ressábios, os meus desassossegos de lida e vida. Rotineiros em suas ocorrências.
Lhes explico melhor para não ser acusado de prolixo, enfadonho, enrolão ou “cousa assim”: um amigo dileto que não está mais aqui, um amor do passado inatingível pelo tempo e pela razão, um plano não realizado, uma derrota acachapante, uma dívida não perdoada perdida, uma falta de carinho e até aquele parente mais antigo que a morte levou.
Ademais das interpretações pessoais e/ou questionamentos, todos passam. E assim levamos a vida, gastando o tempo para… não sei bem para quê. Cada um que amanse os seus potros de estimação, aqueles guaxos de mamadeira desde potrilhos, da maneira que puder ou que melhor lhe agrade.
No entanto, relembrar é preciso, pois quem não conhece a história poderá repetir erros antigos. Melhor é fazer “devezenquando” uma autocrítica de leve, soltar esses cavalos para os campos alheios, se já não servirem mais para os arreios. É bem capaz que morram pelos corredores, de velhos e abandonados, sem serventia pra lida de campo ou até mesmo para a carroça. Cavalos velhos, estropiados, de carrapicho na cola e de focinho grosso de pega-pega, aparecendo os ossos das costelas, de olhos vidrados, mirando longe, para o além dos dias de soga e campereada. Assim, como os idosos numa casa de repouso, internados a força pelos parentes que nem se importam mais com eles, esperando a morte dobrar a esquina, prontos para repartir as heranças que sobraram. Quando sobram.
A par dos raciocínios divagatícios que tentei lhes apresentar, não abandone os seus “cavalos” de estimação. Monte no lombo de alguns deles e galopeie pelas veredas da imaginação, levando vento na cara e buscando paz para seu coração.