Noutro dia desses passados, num sítio muito querido, ali na descida de Santa Bárbara, botando fogo nuns ciscos para espantar as cobras que andam amoitadas nesses tempos de calor, encontrei um camoatim, o mesmo aquele do mel campeiro das quebradas do Inhanduí. Este de que lhes falo era das quebradas do “Santa Barba”, nosso, aqui do alto do serros.

Há muitos anos que eu não me encontrava com uma abelheira dessas. Relembro sempre de um antigo que havia no costado do açude dos patos, de quando o Zoti disse para um sobrinho dele meio bobalhão – guri de cidade, que passava as férias grandes lá por fora, tomando banho de sanga, pescando, andando a cavalo e jogando bola de tardezinha, na frente da casa, com uma pelotinha de número três –, diante da sua curiosidade ante o inusitado da descoberta, que se a gente se molhasse bem, só de cueca, podia balançar o galho para retirar os favos de mel, e os bichinhos não mordiam. No caso, não ferroavam. Acho que até hoje ele ainda tem toco de ferrão de “camotinho” no couro das paletas. Podia ter morrido se fosse alérgico.

Existe também a lixiguana, outro tipo de camoatim, que se instala em arbustos mais rasteiros, como a guabiroba do campo, e que eram (eu falo “eram” e não “são”, porque já nem sei se estes insetos ainda existem, depois que se lavrou quase todos os campos para semear soja, acabando com a fauna e a flora nativas da nossa querência sulina) meladas com os laçaços dos rabos dos lagartos, que gostavam de comer o mel nativo bem docinho.

Aí me parei de pensador, questionando as “cousas” para exercitar o cérebro, até para prevenir o Alzheimer: existe um conceito denominado “função social da propriedade rural”, que diz que qualquer cultura ou uso da terra, economicamente falando, não pode prejudicar ou destruir o que seja essa tal finalidade que, no seu conjunto, visa preservar o meio ambiente, os bichos e a vida das pessoas que nela vivem e sobrevivem, respeitando esses valores.

Como assim, respeitando? A agricultura de hoje, o agronegócio que alavanca as contas externas do País pelas exportações e gera emprego e renda, também “destrói” a natureza. Porque se um pé de laranjeira atrapalha o plantio de mais três ou quatro pés de soja, ela deve ser arrancada, sumariamente, em nome de maior produtividade. Se o veneno que permite o plantio direto acaba escorrendo para as pequenas nascentes, poluindo as sangas e prejudicando a vida dos animais que delas bebem e dos lambaris que nelas nadam, não tem importância, porque tudo é realizado em nome de aumentar a produção.

Talvez seja por isso que o tal de camoatim (enxame dele), aquele do sítio, tenha vindo se esconder em recanto recôndito, fugindo dos defensivos agrícolas que invadem os nossos campos, antes gramados de capim nativo e hoje industrializados e mais produtivos.

Pensem nisso, porque é preciso que alguém pense, sim, senhor.