“Agora, embora continuem a dizer, numa de suas faces, as mentiras que brotam das penas dos escrivães, haverão de estampar no verso a verdade que minha alma já não pode calar.” (REZENDE, 2019, p. 15)
Isso é dito por Isabel Maria das Virgens – protagonista de Carta à rainha louca, de Maria Valéria Rezende – na mensagem que está escrevendo à D. Maria I, e diz respeito aos papeis que ela usa: documentos roubados de um convento onde morou.
Escolhi começar com essa citação porque acredito mostrar bem o tom da carta que Isabel escreve entre os anos de 1789 e 1792, repleta de críticas a tudo e a todos no Brasil Colônia.
Enquanto escreve, Isabel, considerada louca e acusada de haver cometido um crime, está presa num convento, o Recolhimento da Conceição, em Olinda. Na carta, ela fala sobre si mesma e sobre a vida que as mulheres, os escravos e as castas mais pobres da sociedade levam, cometendo “sincericídios” que, arrependida, acaba rasurando, mas são, na verdade, críticas sociais que, apesar de se referirem a fatos que datam no final do século XVIII, são bem atuais.
Isabel também escreve – e rasura esses trechos – sobre fofocas da Corte. Mas sem rasurar ficam as passagens em que fala sobre os gastos com coisas supérfluas enquanto muitas pessoas passavam por necessidades. Apesar de tida como louca, Isabel é mais lúcida que muita gente. E eu fico só imaginando a reação de D. Maria se, um dia, chegasse a ler essa carta…
Carta à rainha louca foi o primeiro livro de Maria Valéria Rezende que li, e me impressionou a fluidez da escrita. Mesmo nos trechos em que um parágrafo ocupa quase toda uma página, o texto é claro, e o leitor avança tranquilamente. E a carta é uma verdadeira obra-prima!
Referência:
REZENDE, Maria Valéria. Carta à rainha louca. 1ed. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2019. 144p.