Gostaria de começar esta conversa perguntando aos leitores da nossa Gazeta quantos de vocês já comeram guabiju direto do pé. Apanhado dos galhos, maduros, pretinhos, aveludados e adocicados, que nem um néctar silvestre. Pois eu já, aqui na minha casa mesmo, e de um pé que ganhei do Ibiretê, ainda uma mudinha mirrada, retorcida, com jeito de quem nunca iria se criar.
Faz bem uns 10, 11 anos que enterrei suas raízes, com carinho e parcimônia, bem na frente da casa, e aguei com regularidade até que iniciasse a brotar. Dizem que o chá da casca de guabijuzeiro serve para curar dor de estômago, e as folhas para combater diarreia. E que já começa a produzir com oito anos do plantio. Este meu demorou um pouco mais.
Tinha um tronquinho retorcido e desajeitado, e foi preciso enfaixá-lo com umas talas de ferro para ir se aprumando, porquanto foi se tornando taludo. Muitas vezes, conversei com ele, como se fosse um “Meu pé de laranja lima”, uma espécie de pessoinha com quem a gente constrói uma amizade verdadeira e simplória e até desabafa algumas agruras quando a solidão entra pela porta da vida, quando já se fica mais velho.
E carregou neste segundo ano da produção! Ficou escuro de tanta frutinha, e com os pequenos galhos vergados ao peso das bolitas.
Ah, pode ser que muita gente conclua que isso é uma estorinha inocente de um ancião senil e desprovido de coisas importantes para escrever, de melhores conteúdos, de política, por exemplo, que é sempre um tema surpreendente, porque quando imaginamos que já vimos tudo, nos aparecem surpresas que sempre dão o que falar. “Fica aí divagando com esse papo de Sítio do Pica-pau Amarelo, parecendo fábula do Monteiro Lobato”, muitos dirão.
Não, meus amigos, não mesmo. E lhes explico o porquê de fazer isso: é que, quando eu tinha menos de nove anos e ainda morava na casa dos meus pais, lá no Rincão dos Nizas – e o meu mundinho eram os bichos e as plantas de roda de casa, da horta da minha mãe –, um certo dia, meu pai disse, para mim e para meu irmão quatro anos mais moço, que encontrara um pé de guabiju carregado de frutos maduros, quando andava pelo mato, procurando abelha pra melar, e que, no outro dia, levaria nós dois àquele local para “comer guabiju”.
Meu irmão pequeno comeu com caroço e tudo, e teve um inchaço na barriga que só foi resolvido mediante uma lavagem intestinal, procedimento terapêutico que, hoje, nem se adota mais. Depois, meu pai contava que o guri havia expelido 48 caroços de guabiju, o que eu acho que era mais uma das suas mentiras costumeiras, porque duvido que ele tenha se prestado a contar os caroços dentro do penico, depois daquela situação, de madrugada.
Exercitamos os dizeres de uma música do Pedro Ortaça, cuja letra aconselha que “quem quiser comer guabiju, que venha sacudir o galho”. Chacoalhamos a pequena árvore, e o chão ficou coalhado. Daí por diante, todos os verões, repetíamos aquela operação silvícola de “comer guabiju” no mato.
Mais de meio século depois, posso comer os meus frutinhos na cidade, porque plantei, reguei e dei carinho a um presentinho simples, mas de conteúdo emocional sem limites, que me faz viajar nos tempos para recordar.
E se recordar é viver, vivamos, sim, de boas recordações daquela rica infância campesina de antanho.