Contando causos 3

Foi nesse entrevero que o falecido que nem lembro o nome, baixote e retaco, degolou o finado Florzinho, seu irmão de sangue e de peito, numa arruaça sem fundamento que deixou suas marcas e desconfianças para sempre entre a filharada do velho João Lobato

Aconteceu numas carreiras, na antiga cancha do Forninho. Ou foi na Picada Grande, não tenho bem certeza do local e nem sei bem ao certo “la fecha”, como diriam meus amigos castelhanos da Banda Oriental. Foi naquele tempo que eu era guri taludo e já andava prestando atenção nas “conversa” dos grandes, espichando “oreia” na hora do mate da tarde.

Diz que foi” pela meia tarde, quando a cachaça e o samba principiavam a fazer confusão na cabeça dos desavisados, na hora em que o “comércio” se recolhe pras barracas e sombras de mato, os gaiteiros se enrodilham pelas moitas e as morochas vêm arrodear a homarada emborrachada nas mesas de carpeta e canchas de osso. Aliás, também, quando as mutucas se embrabecem e os parelheiros de capa e biqueira escoiceiam, pendurados num “gaio de pau”, vigiados pelos guris aprendizes de “corredor” amoitados no carnal duns pelegos merinos.

Foi assim, como uma faísca de fogo, um relâmpago, prenúncio de tempestade iluminando a noite escura: a daguinha de palmo e pico, e pouco mais que um risco de lâmina, lambeu o pescoço do irmão de cima pra baixo, do pé da orelha até a ponta do queixo, deixando um rastro colorado na alvura da camisa de riscado, passada pela própria mãe dos dois.

Foi nesse entrevero que o falecido que nem lembro o nome, baixote e retaco, degolou o finado Florzinho, seu irmão de sangue e de peito, numa arruaça sem fundamento que deixou suas marcas e desconfianças para sempre entre a filharada do velho João Lobato.

Quando fui com meu pai encomendar uns chergões na Tia Paula, bem lá no fundo do campo do Seu Marculino, foi que fiquei sabendo que um daqueles homens que porfiavam no pichurum da capina do feijão do Alvorino, que era louco, era o tal degolador do irmão.

Fiquei apavorado e quis saber do porquê que ele não estava preso, já que era um assassino confesso e bem-sabido de toda a comunidade. O fato era de domínio daquele público suplicante e humilde que não ousava exprimir sua opinião, diante da força do braço rude e negro armado de faca cortadeira.

Ora meu filho, a justiça é assim mesmo – disse o pai, justificando a barbaridade e respondendo com isenção para um guri curioso e desconfiado.

Me fui de a cavalo, sem nem ousar olhar para trás, louco para desaparecer na dobra do caminho, porque, se o cara foi capaz de degolar o próprio irmão, o que não faria comigo, que nem parente dele era, em se tratando de alguma desavença ou desentendimento fortuito ou, até, se apenas lhe desse na veneta.