A vida escrava continuava até os dias de hoje. Sim, ela era escrava também. Escrava de uma condição de vida que se repetia. Escrava do desespero, da falta de esperança, da impossibilidade de travar novas batalhas, de organizar novos quilombos, de inventar outra e nova vida. (EVARISTO, 2017)
Domingo, 20 de novembro, é o Dia da Consciência Negra, uma data para se refletir sobre a situação da população negra no Brasil. Há algum tempo, guardo uma dica de leitura para essa data, pois me parece ser uma boa motivação para se debater este tema. Trata-se de Ponciá Vicêncio, obra de Conceição Evaristo, autora que aborda em seus escritos questões como a ancestralidade, o cotidiano de pessoas negras e o preconceito.
Ponciá Vicêncio é uma mulher negra que cresce no interior, feliz e divertindo-se com suas brincadeiras infantis, e se muda para a cidade aos 19 anos, cheia de esperança e de expectativas, sem conhecer ninguém, sem ter para onde ir, em busca de uma vida melhor para, um dia, voltar ao povoado onde morava para buscar a mãe e o irmão, mas encontra muitas dificuldades e sofrimentos.
As primeiras páginas contam partes da infância e da juventude da protagonista, intercaladas com eventos de sua vida adulta. Nas lembranças, Ponciá tem mais nítida a imagem do avô, embora ele tenha morrido quando ela era muito pequena, do que a do pai. Ex-escravo – pelo menos no papel – e com problemas psicológicos, o avô passava muito tempo em casa, ao contrário do pai, que trabalhava “nas terras dos brancos” (p. 16) e passava longos períodos fora.
Quando libertado, o avô recebeu algumas terras para viver, assim como outros ex-escravos. Formou-se, então, um povoado na fazenda do Coronel Vicêncio, o senhor a quem serviam. Para poder sobreviver, o avô seguiu trabalhando na propriedade de seu antigo dono, assim como o pai de Ponciá a seu tempo e, depois, o irmão dela. Eram as mulheres que trabalhavam as terras que haviam recebido, mas pouco as famílias mantinham, pois parte da produção tinha de ser entregue ao proprietário da fazenda.
No dia em que o avô morre, Ponciá ouve as pessoas dizendo que ele havia deixado uma herança para ela, o que a deixa muito curiosa. Ao longo de toda a obra, ora a própria protagonista, ora o narrador questionam que herança é essa. Arrisco dizer que é a mesma que muitas famílias na situação da de Ponciá deixam para seus descendentes, e que ela recebe quando, cansada da vida de exploração que levava, decide ir em busca de algo melhor.
Referência:
EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. 1ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2017. 120p.