Finados ou falecidos

Dizem que esse dia é assim porque a energia dos que já se foram deste mundo anda por aí, se manifestando em forma de clima pesado, que ninguém sabe o que significa. Eu acho que é a energia dos vivos que transfere esse jeito de velório para todos

Normalmente, é um dia de ventania, enjoado, e de certa tristeza em cada vela acesa e em cada oferenda que leva uma lágrima ou um suspiro de saudade pela falta de alguém que muito amamos, que já fez parte das nossas vidas terrenas e que ainda nos faz refletir, cada vez mais, acerca do sentido da nossa existência.

Dizem que esse dia é assim porque a energia dos que já se foram deste mundo anda por aí, se manifestando em forma de clima pesado, que ninguém sabe o que significa. Eu acho que é a energia dos vivos que transfere esse jeito de velório para todos. Pelo que sei, os mortos não têm mais esse poder capaz de transformar o clima. Se ainda têm, é para outra dimensão, ainda não muito bem explicada para os leigos. Nós é que ficamos mais acomodados e quietos, assim como fazendo um ato de contrição com a gente mesmo.

Publicaram que o Papa Francisco, o argentino do San Lorenzo, disse que as cinzas dos corpos cremados não podem ser guardados em casa, nem espalhadas pela natureza, como procedem algumas famílias que não querem se apartar das “lembranças” dos seus entes queridos que já partiram. Penso que a única urna capaz de guardar boas lembranças dos nossos falecidos é a da memória. Guardando saudades, como uma boa recordação da nossa convivência amorosa e flashes de momentos que foram realmente inesquecíveis.

Eu gostava desse dia lá fora, porque era sempre uma oportunidade de comer alguma pitanga do cedo, perto dos cemitérios que minha família visitava. Sempre havia pitangueiras perto de algum campo santo. Fazia uma peregrinação com meu pai pelos túmulos dos parentes mais diretos, guardados nos cemitérios da campanha, soturnos e permanentes naqueles descampados verdejantes.

Quem não tem essas lembranças deve recordar de outros encontros, afinal, é também um tempo para um comerciozinho de vela, de flor, de corridas de taxi e de Uber, como Natal, Páscoa e Ano Novo, uma oportunidade para reunir os membros da família ainda vivos.

Existem pessoas que continuam vivas, mas morrem na memória do público que, em alguma ocasião, as idolatrou. Perdem o brilho, por usura ou desmascaramento mesmo, perdem a utilidade, o que é muito comum na política, quando certas lideranças se esmaecem na memória daqueles que outrora acreditaram nelas. Cansaram de fazer promessas que esqueceram de cumprir. É quando o povo votante troca suas apostas em busca de renovações milagrosas, que também não existem. Esses quase fantasmas podem ser chamados de falecidos políticos, embora vivinhos da silva.

O inquestionável é que ninguém fica pra semente, tampouco é imprescindível para o mundo girar, embora existam algumas dependências que custem mais a se apagar. Afinal, a vida segue para os vivos, bem sabido. E para alguns poucos mortos-vivos que teimam em resistir, peleando contra tudo e quase todos, na esperança de que ainda descubram o elixir da vida eterna aqui na terra.

A grande realidade é que o sentimento da perda, modernamente, anda desgastado, e já não se choram tanto os que mudam de dimensão, deixando de existir. A morte passou a ter alguma naturalidade para muitos. E seguimos…