Em A metamorfose, de Franz Kafka, após uma noite mal dormida e repleta de sonhos ruins, o caixeiro-viajante Gregor Samsa acorda para um pesadelo: está se transformando num inseto.
Enquanto avalia sua nova condição e o que pode fazer, ele começa a refletir sobre seu trabalho e quão duro ele é. Foi por causa de uma dívida dos pais com seu chefe que Gregor aceitara o emprego e se submetera a todo o maltrato que sofre (ou pensa que sofre?).
Percebendo que Gregor está atrasado, seus pais e sua irmã começam a bater às portas do quarto para saber se está tudo bem. Ele responde que sim, mas, vendo-se impossibilitado de sair da cama por não saber lidar com seu novo corpo, acaba jogando-se dela e assustando a todos com o barulho.
Nesse momento, o gerente da firma em que Gregor trabalha já havia chegado à casa para saber o motivo de seu atraso, e insistia em falar-lhe pessoalmente. Mas como sair do quarto naquele estado?
Sempre que leio A metamorfose, penso em como é sentir-se um inseto. Pela forma como entendo isso, acredito que seja bem difícil que alguém já não tenha se sentido assim pelo menos uma vez na vida, embora, talvez, não tenha associado tal sensação a insetos.
Esse sentimento tem relação com a pressão que sofremos no ambiente profissional, familiar, escolar, universitário, etc., e que muitas vezes faz com que nos sintamos incapazes. É algo que pode ser real ou imaginário e se encaixar em qualquer aspecto da vida, exigindo cada vez mais das pessoas e as fazendo sentir oprimidas.
No caso de Gregor, essa pressão se manifesta nos ambientes familiar e profissional. A mãe, o pai e a irmã batendo às portas do quarto, cada um num lado diferente do cômodo, representa a pressão que, muitas vezes, sentimos ao sermos interpelados, por exemplo, sobre como vão os estudos ou o trabalho.
No que tange ao ambiente profissional, Gregor entendia que precisava dar cada vez mais de si para saldar a dívida e poder deixar aquele trabalho logo. Fazendo isso, sentia-se injustiçado vendo colegas não se esforçarem tanto, e questionava-se se não merecia um pouco mais de descanso.
O que vejo é que não eram tanto os outros que o levavam a sentir-se um inseto, mas ele mesmo com a forma com que lidava com suas obrigações.
Referência:
KAFKA, Franz. A metamorfose e O veredicto. Tradução de Marcelo Backes. Porto Alegre: L&PM, 2011. 144p. (Coleção L&PM Pocket; v. 242)