Há um dito dos mais veteranos que poderia bem representar a ideia aí de cima: tal fulano é uma pessoa “sobre si”. Como assim, sobre si?
Tipo daquele que mal se relaciona, que pouco conversa, que nem sequer externa seus pensamentos e opiniões, que vive pra dentro dele mesmo, fechadão na sisudez defensiva da imensa insegurança da sua rotina existencial. Isolado dos grupos, distante das aglomerações e dos bolinhos. Arredio às fofocas mundanas, circunspecto em si mesmo, eternamente encasulado em suas carapaças protetoras. Quase não fala e, quando o faz, estuda muito bem suas colocações, a ponto de parecer indeciso e distante.
Será que sofre calado esse tipo de gente? Ou será que fica sério pra fora, mas, por dentro, morre de rir das loucuras dos outros e dos palhaços do mundo?
Na velhice, digamos depois dos sessenta, depois da aposentadoria, quando sobra tempo para a maioria de nós, sem ter nada para fazer por obrigação, é normal aumentar as ocorrências do muito pensar. Para boas lembranças idas, boas e más, mas superadas e que não voltam mais, quando florescem os arrependimentos. Os filhos espalhados pelo mundo, os netos descobrindo seus caminhos, e os amigos do peito, da vida toda, afastando-se do convívio e, muitas vezes, desta vida para outra melhor, segundo os católicos.
Não é difícil encontrar um grande número de perdidos na multidão por ficarem fora de moda. Essa gente que não dança, que não bebe, que não namora, que não viaja, que nem vai na igreja e, por vezes, não gosta mais de ter amigos. Na verdade, se recusa a viver, se isolando, na defensiva, e creditando aos outros e ao universo a culpa pela sua opção de se apequenar. Há muitos que se escondem sob a cortina da depressão autoconsentida ou inventada, atrás dos rótulos dos medicamentos poderosos e do sofrimento do corpo e da alma.
No mundo de hoje, cosmopolita e modernoso, mas individualista e competitivo, um fora da luta perde o seu lugar na fila da existência. Por isso, faz tanta falta um canal de conexão com as letras, com as artes, com a convivência social, com a natureza, por exemplo, que devolva ao fora dos trilhos alguma conexão com a realidade. Algum farol de atividade que reoriente os desgarrados pela estrada da vida.
Guardar bugigangas no baú do tempo pode até servir para relembrar estórias, mas serve também para desenterrar mazelas e reavivar feridas mal cicatrizadas. Tem pouca valia guardar as panelas velhas furadas, que foram da nossa vó querida. Nem sei se vale a pena remexer naquela caixa de sapatos antiga, lotada de fotografias amareladas de duas gerações de antepassados familiares.
Por isso tudo, meus caríssimos amigos, não permitam que os malucos beleza que ainda existem entre nós intentem parar o mundo para desembarcar. Pelo contrário, embarque de novo, nem que seja de carona, e siga viagem, até que a estrada termine ou que o seu calhambeque tranque o motor. Prossiga a pé, porque caminhar também faz bem para a saúde, e se possível, esparrame por aí os demônios que lhes atazanam a viagem.