Memórias do subsolo

[…] eu mesmo só recentemente me decidi a lembrar as minhas aventuras passadas, e, até hoje, sempre as contornei com alguma inquietação. Mas agora, que não apenas lembro, mas até mesmo resolvi anotar, agora quero justamente verificar: é possível ser absolutamente franco, pelo menos consigo mesmo, e não temer a verdade integral? (Dostoiévski, 2009)

Memórias do subsolo, de Fiódor Dostoiévski, é narrado em primeira pessoa por um personagem não nominado, que “fala” (na verdade, escreve) diretamente a interlocutores indefinidos. Só podemos ter certeza de que se trata de mais de um destinatário pelo uso da segunda pessoa do plural.

Dividido em duas partes, está ambientado na São Petersburgo do século XIX. Começa com a apresentação do protagonista, um homem de 40 anos, que fora funcionário público (pelo menos é assim que chamaríamos aqui) e se aposentara ao receber uma herança de um parente distante, passando a viver isolado, no que define como “meu cantinho”, um quarto nos arredores da cidade. Mas, em seu relato, se define como desempregado, e pode-se ver que se sente frustrado por a vida não ter sido como esperava.

Ele se descreve como uma pessoa doente, má e desagradável (o que, pra mim, fica mais do que provado). Pela forma como se expressa, é possível entender que pensa que merece tudo o que sente, e é com essa ideia que reflete com raiva sobre a vida e apresenta a forma como se vê e como vê os homens de sua época.

Na segunda parte, o protagonista apresenta algumas de suas memórias, como momentos da época em que trabalhava na repartição e sua relação com colegas de trabalho e de escola. Assim, constrói um contexto para como se tornou quem é e como chegou às conclusões que apresentou na primeira parte. Mas, apesar dessa mudança de foco, não deixa de refletir e dar suas opiniões sobre as situações que viveu e as pessoas que conheceu ao longo da vida. E essas reflexões são até melhores do que as anteriores.

Referência:
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias do subsolo. 6ed. Tradução, prefácio e notas de Boris Schnaiderman. São Paulo: Editora 34, 2009. 152p.