Mundos paralelos

O senhor Estêvão, conhecido empresário da capital paulista, aprontou-se para iniciar a costumeira jornada de compromissos. Por azar, seu motorista pedira um dia de folga para ir ao casamento da filha, e ele teria de embrenhar-se sozinho no gigantesco trânsito da metrópole

O senhor Estêvão, conhecido empresário da capital paulista, aprontou-se para iniciar a costumeira jornada de compromissos. Por azar, seu motorista pedira um dia de folga para ir ao casamento da filha, e ele teria de embrenhar-se sozinho no gigantesco trânsito da metrópole.

Para começar seu calvário, o carro estava mal estacionado entre o da esposa e a moto do filho. Praguejou com palavras de baixo calão – que ele proibia em família –, e finalmente chegou à rua e dirigiu-se ao imponente prédio de sua empresa.

Na sinaleira em vermelho, aproveitou para tomar a pílula para a incômoda gastrite que o acompanhava nos momentos de tensão. Que se agravou ao lembrar-se da recomendação da esposa ao sair do fino apartamento de cobertura, sua moradia. “Não esquece que temos um jantar com os Braga hoje. Compra o vinho para levar.”

Que vida! Nenhum momento de prazer, só deveres, preocupações, decepções com os filhos, que só queriam a boa vida, a esposa com suas vaidades e as contas para ele pagar…

No seu luxuoso gabinete, outros problemas o afligiam. Medidas a serem tomadas para vencer a concorrência no mercado, falhas no assessoramento que não correspondiam às situações. Assédios dos chefes de setores aos funcionários, processos judiciais, muita inveja, traições entre colegas, uma Torre de Babel.

O grande magnata, a princípio, só almejara uma vida mansa, sossegada. Mas desfazer-se do que havia construído à custa de tanto sacrifício?! Nem pensar.

Sua ambição, de início, fora adquirir casa própria, carro zero e independência econômica que lhe permitisse dar a melhor qualidade de vida para a família, sua então querida noiva e os filhos que viriam. Porém, decepções não faltaram, os filhos só queriam aproveitar a vida sem pensar no futuro, e a esposa vivia recebendo e comparecendo a visitas, festas, viajando pelo mundo, freguesa vip dos salões de beleza, academias, clínicas de estética…

A vida no lar que sonhara fora uma utopia!

Enquanto isso, seu motorista entrava garboso na igreja, de braço com a filha amada. Ela estava tão linda! E ele agradeceu pela vida que sua família pudera viver, graças a seus esforços e à sua querida esposa. Tão econômica!

Hoje moravam na sonhada casa própria, tinham o seu carrinho, pudera dar boa educação para os filhos, um bom enxoval para a noivinha, que tivera a sorte de encontrar um rapaz tão direito e trabalhador. E apaixonado por ela.

Logo viriam os netos, que ele ajudaria a cuidar na sua próxima aposentadoria.

Pra quê mais? Ele tinha tudo o que mais sonhara!