No laboratório

Retirei uma senha e fiquei bem sentado, esperando ser chamado. Porquanto aguardava, fiquei observando aquela gente toda que ali se aglomerava pelos mais variados motivos

Outro dia desses recém passados, resolvi fazer uma consulta de revisão no aparelho urinário. Velhinho com 73 no lombo que tiver juízo precisa dar uma avaliada médica nos componentes do “esqueleto” pelo menos uma vez por ano, antes que seja tarde demais.

Acostumado com essa lida desagradável que realizo no Hospital Geral de Santa Maria (HGeSM ou Hospital Militar) por mais de três décadas, desde os 45, agendei a consulta pela internet (on-line), mas, antes, fui fazer uns exames no Laboratório de Análises Clínicas que sempre os médicos pedem, para já me apresentar com todos os dados e percentagens que falam de taxas, níveis dos componentes sanguíneos e de urina, para avaliar a situação da saúde do idoso “esgualepado” pela usura.

Compareci ao Laboratório Saretta, aqui na Rua Quinze, quase defronte à sede da Gazeta. Retirei uma senha e fiquei bem sentado, esperando ser chamado. Porquanto aguardava, fiquei observando aquela gente toda que ali se aglomerava pelos mais variados motivos. Alguns, bem trajados, parecendo estar em uma festa de aniversário, caprichando na figura. Outros com aspecto de sofrimento, gemendo inquietos, reclamando do tempo de espera. E outros ainda batendo papos animados, contando “causos” e abrindo sorrisos para todos notarem, sem nem se preocupar com o local mais reservado onde se encontravam. Talvez, disfarçando as inquietações.

Nos causa surpresa e curiosidade quando encontramos algum conhecido consultando ou fazendo exames:

“Será que o fulano anda doente? Estava no laboratório para fazer exame de sangue? Ou seria de fezes? Será que é grave?”

“E a guria disfarçada, de cabeça baixa, desacompanhada, de cabelo molhado e um vestido mais larguinho, seria teste de gravidez? Mas a barriguinha nem aparece ainda…”

“Até a Dona Maria anda pouquinha, com cara de doente, a coitada. Todo mundo sabe do marido, o Seu Joãozinho, que faz tempo que anda ‘malixo’, com uma moléstia grave que lhe atazana a saúde. Coitado do homem velho, antes tão extrovertido e conversador, agora capaz de ficar viúvo e ‘solito’”.

Alguns entregam seus recipientes para as atendentes no balcão da recepção, um pouco sem jeito, disfarçando para certificar-se de que ninguém irá saber o conteúdo. Lembrei-me de um amigo, mineiro de Patos de Minas, contando que, quando lhe pediram material para fazer exame de fezes para ingressar na Escola Preparatória de Cadetes, de Campinas-SP, na década de 1970, levou de casa uma lata de leite Ninho de um litro pela metade do enojante conteúdo mal cheiroso. Digamos, nauseoso, sob todos os aspectos. Contaminou toda a sala de espera.

Todo paciente, quando chamado para a sala da coleta, ante a saudação simpática da enfermeira que vai lhe enfiar a agulha nas entranhas dos braços a procura de veias sanguíneas, responde ao bom dia entre aliviado e temeroso, mesmo sabendo que mal nenhum maior irá lhe acometer, de tantos e tantas vezes em que já passou por aquilo. Mas que fica sestroso, isso fica. Eu sou bem treinado nesse mister, porque nunca encontram a minha veia na primeira picada, vou ficando com pena da coletora se justificando e acabo esquecendo do meu pequeno sofrimento.

No outro dia, retornei para entregar o material coletado em casa e encontrei uma senhora que, usando um celular antigo, daqueles de teclado, pedia em altos brados para o marido, que ficara em casa, que soltasse o gato para a rua, porque ele poderia fazer suas necessidades debaixo da cama e a limpeza iria sobrar para ela…