Noutros outubros

Nem sempre alcanço o objetivo, porque nem sempre o tiro dado corresponde ao prenúncio do bugio deitado. Seria mais fácil apostar no javali deitado, mas agora proibiram a caça do invasor e nem mesmo esses podem mais ser abatidos pelo simplório esporte benfazejo

Dia desses passados, em outubro, andei lendo um livro de contos gauchescos do Luiz Coronel. Bueno de fato, rebuscado e mais cheio de berloques do que solteirona procurando paleteada em dia de comércio de carreira a campo fora. O homem “rebusqueia” nas escritas porque entende do assunto, e há quem leia e admire de montão.

Quanto a mim, aprendiz de feiticeiro, engatinhando pelo terreno das “croniquetas”, me reservo o humilde estilo próprio de intentar ser original do meu jeito, acorelhando as letras e ajoujando as palavras, sempre na intenção  primária de encordoar novos causos antigos, para fabricar furdunços literários campeiros. Nem sempre alcanço o objetivo, porque nem sempre o tiro dado corresponde, na lata, ao prenúncio do bugio deitado. Seria mais fácil apostar no javali deitado, mas agora proibiram a caça do invasor peçonhento e nem mesmo esses podem mais ser abatidos pelo simplório esporte benfazejo. Os plantadores de milho é que se preparem para colher apenas parte do que será plantado. Seria, por acaso, a socialização da lavoura, na antessala de uma nova revolução dos bichos, já que os javalis são mais ladinos e atrevidos do que os porcos tradicionais? (Falo de uma nova Revolução dos Bichos, é claro.)

Eis que lembrei uma tarde de garoeira, tal qual estas deste outubro encharcado, recém-findo, em que saí de casa com uma arminha taquari calibre 28 na cacunda, a negacear avoantes pela beirada dos matos lá de casa. Aqueles ciliares do Arroio da Divisa, lindeiro aos campos dos Costa, do outro lado do barranco. De pés no chão, no tempo em que andar de tamancos com tempo de chuva era desconfortável e as botas de par único precisavam ficar preservadas para os dias de baile ou festas na capela. Alpargatas, nem pensar, pois era capaz de virarem trapo na primeira umidade da vargenzinha do potreiro, logo na saída da casa. Até porque a sola dos pés dos guris daquele tempo possuíam boas semelhanças com os cascos dos cavalos e não era um espinhozinho qualquer que lhe furaria a couraça. Roseta era fichinha naqueles pisares macanudos, acostumados descalços.

A cachorrada no costado complementava o efetivo da comitiva exploratória e tranquilizava o incauto caçador para qualquer eventualidade de maior risco. De vez em quando, uma saracura mais ligeira, se escondendo na capoeira em busca de mariscos, ou um tatu desavisado que saíra da toca para beber água e remexer algum cupinzeiro isolado no meio do campo.

Coisa bem boa era aquele tempo de vaca aparecer lambendo a cria nova nas ressolanas abrigadas do campo e os quero-queros começarem a ajeitar os ninhos nos cocorutos do varzedo ainda alagado. Nem sempre o dia era do caçador.

Nem foi pensando nisso que principiei este relato, mas à medida que rabiscava, me surgiu a lembrança do Fundo da Grota, a música do Baitaca, hoje famosa pelo mundo inteiro. Pois lhes digo e posso comprovar, porque ainda tenho testemunhas vivas, prontas para depor: também venho do fundo de uma grota bendita, que me inoculou sensibilidade e respeito aos bichos e à natureza:

Fui criado na campanha

Em rancho de barro e capim

Por isso que eu canto assim

Pra relembrar meu passado

Me criei arremendado

Dormindo pelo galpão

Perto de um fogo de chão

Com cabelo enfumaçado

Lá nos ermos do capão

Ouço o piar de um nambu

Noutra trincheira o jacu

Grita o sabiá nas pitangas

E bem na costa da sanga

Berra a vaca e o bezerro

No badalo do cincerro

Eu descubro os bois de canga