Por Cristiana La Rocca Teixeira
Quem conhece o termo novilho precoce, logo o liga à palavra qualidade. Na indústria brasileira de carne bovina, cuja realidade é o abate acima dos 36 meses, participação de animais inteiros em praticamente 50% dos machos abatidos e poucos incentivos para melhorar a qualidade, o novilho precoce traz diferenciais importantes, seja pela qualidade da sua idade jovem, entre 18 a 30 meses, pela carcaça com quantidade de gordura adequada, ou pela bonificação recebida. Entretanto, muito além destes aspectos, o contexto do novilho precoce é definido por outros detalhes, um conjunto de demandas, oportunidades e desafios que se configuram dentro e fora da porteira, muitas vezes equiparáveis aos de uma corrida, onde os beneficiários não são apenas o público, ou seja, os consumidores, mas também todos os outros atores envolvidos na cadeia.
(Fonte: artigo Produção de novilho precoce – o desafio de uma corrida por qualidade, de Rodrigo da Costa Gomes, Embrapa Gado de Corte)
Nesta entrevista mais que especial, a Gazeta conversa com José Fernando Piva Lobato, Ph.D., professor titular do Departamento de Zootecnia da Faculdade de Agronomia da UFRGS, sobre a importância da produção de novilhos precoces. Confira!
Gazeta – Quais os tipos de manejo o senhor entende como necessários e mais adequados aos produtores para que os animais estejam acabados, ou seja, prontos para o abate precoce, e para que este sistema de produção dê certo? Fale um pouco sobre práticas que elevam a produtividade para garantir fêmeas bem alimentadas e prontas para reproduzir.
José Fernando Piva Lobato – A análise de ser uma propriedade de cria, recria ou só de terminação parte do pressuposto de que você saiba se tem um solo só para campos de cria, campos não agricultáveis, ou também solos profundos, de melhor fertilidade, cultiváveis e até com integração lavoura-pecuária, além de pastagens de maior digestibilidade, servindo para a redução da idade de abate dos novilhos. Nas condições do Rio Grande do Sul, com o desmame até o momento clássico nos meses de março a abril (dê férias para suas vacas novamente prenhas, para acumular condição corporal!), seria ter pastagens de inverno a partir de 1º de maio a 1º de junho como alguns possuem, pastagens ditas perenes por um bom manejo forrageiro, por deixarem essas forrageiras sementarem, dependendo da região do Estado, em outubro ou novembro, para, a partir do final de fevereiro/março, voltarem a rebrotar, as perenes, ou a germinar aquelas anuais que sementaram em outubro/novembro. Então, o modelo clássico para ter um novilho precoce aos dois anos de idade é o primeiro inverno/primavera em pastagens de ciclo hiberno-primaveril, como aveia, centeio, azevém, este último especialmente, porque sementa muito bem se você ajustar a lotação e manejá-lo corretamente, e as leguminosas, como trevo branco e cornichão. Tenha solo e fertilidade para estas. Se você tiver um padrão de gado de qualidade, ou seja, terneiros que são desmamados com 200kg, 230 kg – alguns possuem – estes animais, em uma pastagem de inverno/primavera, digamos, por cinco meses, ao completarem um ano de idade terão 350-380 quilos. Isso é possível desmamando terneiros mais pesados, de maior potencial de ganho de peso, com conteúdo genético para maior desempenho. Em cinco meses de pastagens de inverno/primavera, eles colocam 150Kg. Desta forma, 150kg mais 230kg, são 380kg, e estes animais têm potencial de, totalmente a pasto, saírem para o abate com 18 ou 20 meses de idade, se entrarem em pastagens de verão com ciclo de pastejo de novembro a abril. Alguns estão fazendo assim, outros – muito poucos – estão confinando-os ao completarem um ano, no fim do ciclo das pastagens de inverno/primavera. As novilhas precisam, seguramente, de um primeiro ciclo inverno/primavera tão bom quanto o dos machos. No segundo inverno, se você não colocá-las integralmente em pastagens de inverno, excederiam, e muito, o peso para o primeiro serviço. Precisam de um pico alimentar por 60 a 90 dias pré-serviço nessas pastagens de maior digestibilidade. Aqueles que dominam esta etapa de novilhas bem criadas, prenhas aos dois anos, e quando primíparas aos três anos, asseguradas nutricionalmente para terem alta taxa de prenhez, são candidatos que, gradualmente, tendem a evoluir para prenhez aos 14/15 meses de idade com suas terneiras ponteiras, desmamadas com pesos elevados. Tudo isso associado a um primeiro inverno de quatro ou cinco meses em pastagens inverno/primavera, garante mais 120/130 quilos, se desmamadas com 180/200 quilos. Um conselho: não se meta (sic) em prenhez 14 meses se não tiver dominado, ruminado, perfeitamente, este sistema, e, quando parindo aos 24 meses, primíparas aos dois anos, tenham assegurado um longo período pós-parto nas pastagens de inverno. Novilhas precisam conceber nos primeiros 20-30 dias da reprodução. Isso é uma condição primordial para não ser prejudicado. Não avance um degrau de um sistema pecuário se não tiver dominado as etapas anteriores. É um recado que eu deixo. E mais: não existe uma receita única. Crie o seu sistema, factível para as suas condições.
Gazeta – Quais os impactos econômicos e sociais que esta melhoria traria para o Rio Grande do Sul?
Piva Lobato – Eu diria que, se o Estado do Rio Grande do Sul ou cada produtor com o seu estágio de pecuária vir a prenhar as novilhas e abater os novilhos aos dois anos, no máximo quatro dentes e meio (mais do que quatro dentes, perde a categoria de novilho precoce), e ter vacas com cria ao pé com taxas de desmame ao redor de 80%, terão elevado nossa taxa de desfrute para 29%, conforme estudos das minhas orientadas. Esta é uma meta que eu posto como necessidade da pecuária gaúcha e brasileira. Sair dos persistentes 20% de desfrute e avançar gradualmente para uma pecuária dois anos, que nos levará a este desfrute mais alto. Outro ponto: reduzindo a idade de abate, nós estaremos produzindo muito mais quilos de carne por metano eructado. Reduzindo a idade de abate até quatro dentes, com acabamento necessário, serão novilhos precoces, com maior qualidade e palatabilidade da carne bovina. E mais, acabamos com esta ronha internacional contra o Brasil de que estamos aquecendo o mundo porque temos uma pecuária de milhões de animais, que, por unidade mantida, produz poucos quilos de carne em relação à quantidade total de metano arrotado.
Gazeta – Como conseguir qualidade da carcaça e equilíbrio financeiro, uma vez que os preços de mercado hoje, em comparação com as práticas de abate tradicionais, não compensam, inclusive com os frigoríficos? Como equalizar problemas como a mão de obra qualificada no campo, cada vez mais escassa, e gastos com insumos, suplementação, entre outros?
Piva Lobato – Todos os estudos mostram que novilhos dois anos sobre pastagens de implantação ao menos medianas nos conduzem a digestibilidade e qualidade forrageira, especialmente a serem usadas por animais jovens, terneiros pós-desmame e animais de sobre ano. Esta receita, em solos bons, é plenamente viável, porque uma pastagem implantada, se bem manejada, se pereniza aqui no Rio Grande do Sul, e, portanto, se gasta com sementes uma só vez. O que você precisa é de uma adubação razoável de 200kg, 300kg por hectare, falando a grosso modo, sem ter feito análise de solo para determinar de fato a necessidade. Ou seja, num sistema dois anos em condições favoráveis, você tem viabilidade econômica sim, até porque, se for uma fazenda de ciclo completo, abatendo mais cedo os novilhos, sobrará mais espaço, porque eles deixam de ocupar potreiros de campos nativos que até então pastavam. Isso permitirá aumentar os rodeios de cria e a produção de terneiros, com consequente aumento da taxa de desfrute. Sobre a mão de obra, a escassez acontece porque os lavoureiros estão pagando mais. O pecuarista, para ter mão de obra mais qualificada, mais preparada, terá que pagar mais, instituir bonificações, prêmios. Isto se paga com altas taxas de desmame, com terneiros mais pesados, melhores. Algumas propriedades com alta produtividade, cujas façanhas estão servindo de modelo a toda terra, valorizam o empregado, ficam com os melhores, treinam os melhores, lhes dão conforto no seu ambiente de trabalho. Estas os têm mantido. O pessoal não tão preparado precisará ser qualificado. Conheço vários que investem no treinamento de empregados, e esses pequenos cursos de valorização e crescimento pessoal ajudam a propriedade a crescer também. As fazendas estão necessitando de orientações técnicas. Conhecimentos existem para serem aplicados. Há a necessidade de conhecê-los e tomar atitude, aplicá-los, adaptá-los às inúmeras e às distintas situações. Outro ponto importante para o produtor se conscientizar, além de determinar a capacidade de suporte de lotação dos seus campos para que seus animais tenham oferta forrageira e desempenhem sua missão de ganhar peso, lactar e produzir terneiros, é não basear-se somente em campos nativos ou nas pastagens de inverno/primavera, mas evoluir e ter reservas forrageiras, como feno, para momentos críticos. Por anos, eu insisti nisso para dispormos de volume forrageiro, especialmente para vacas adultas nos meses de maio a início de setembro. Hoje, eu digo que precisamos de reservas forrageiras para os meses de verão. Neste verão 2021/22, a reserva forrageira fez falta. Áreas, dentro das propriedades, precisam ser reservadas e cultivadas para produzir reservas a serem feitas até por equipes que venham de fora prestar serviço para o bem da pecuária. Já temos estas equipes no Rio Grande do Sul. Precisamos de mais equipes prestadoras de serviço. Precisamos ter o que reservar. Ou teremos que comprar para fazer frente às incertezas climáticas recorrentes.
Gazeta – Na sua avaliação, qual o impacto da utilização de inseminação artificial e touros com boa genética nos rebanhos de cria?
Piva Lobato – É inegável a melhoria dos rebanhos e dos seus produtos sendo terneiros filhos de touros ou de sêmen de melhor conteúdo genético. Será ainda melhor se as vacas também tiverem este conteúdo. Use touros oriundos de programas de melhoramento genético animal existentes no mercado. Ao ter isso, você precisa saber que está aumentando o potencial e as exigências do rebanho – são animais de maior potencial de desempenho, precisam ser melhor nutridos. Nunca avance no potencial genético quando você não tem um ambiente adequado para isso. Todas as vezes que o potencial genético estiver acima da capacidade de suporte do meio, o desempenho animal será negativo. Tenha conteúdo ao nível do seu sistema pecuário, que é constituído não só por composição genética, mas por nutrição, por sanidade e manejo ou tomadas de atitude no tempo correto. O melhoramento genético animal passa sim por touros e vacas de fato com conteúdo genético e não apenas com características raciais. Pode ser um animal com características da raça x ou y e com péssimo desempenho. E mais: as vacas precisam passar a ter nome ou um brinco que as identifiquem, e, ao identificá-las, você poderá avaliar os seus produtos. A vaca contribui com 50% da composição genética dos terneiros ou terneiras dos sonhos – então tem que ser boa. Temos que ter vacas identificadas, controladas, e mesmo que não seja um rodeio plantel, é um rebanho comercial com uma função essencial: produzir o bife nosso de cada dia – suculento, desejado, com produtividade e eficiência no sistema produtivo.
Foto: Flávio Burin/Farsul