Especialista em Neuropsicologia e com formação em Terapia Cognitiva Comportamental, a psicóloga caçapavana Cássia França Oliveira também ressalta a importância dos pais no processo e o desafio de equilibrar o uso da tecnologia com brincadeiras tradicionais
Um dia para brincar e se divertir. Assim é o 12 de outubro de muitas famílias, que aproveitam a data para fazer algo especial com seus filhos, sobrinhos e netos. Mas você já parou para pensar o quanto isso é importante para os pequenos? Para te ajudar nessa reflexão, a psicóloga infanto-juvenil Cássia França Oliveira, especialista em Neuropsicologia e com formação em Terapia Cognitiva Comportamental, conversou com a Gazeta na quinta-feira (11) sobre o tema. Natural de Caçapava, ela destaca o papel do brincar no desenvolvimento das crianças, a importância dos pais no processo e o desafio de equilibrar o uso da tecnologia com brincadeiras tradicionais.
Gazeta – Qual é o impacto do brincar no desenvolvimento emocional e social das crianças?
Cássia – O brincar é uma expressão do desenvolvimento infantil. Gosto de dizer que a brincadeira é o “trabalho da criança”. É através dela que a criança amplia o seu conhecimento e testa as hipóteses do que ela vem aprendendo com o mundo. A socialização e as interações sociais acontecem dentro destes momentos, nesta época da vida. As crianças desenvolvem flexibilidade cognitiva, atenção compartilhada e raciocínio fluido. No brincar e pelo brincar observamos o quanto as crianças possuem habilidades preditoras para futura aprendizagem formal como as habilidades acadêmicas.
Gazeta – Como a brincadeira pode ajudar no fortalecimento dos vínculos familiares e na comunicação entre pais e filhos?
Cássia – A criança se desenvolve e se relaciona pelo brincar, então qualquer oportunidade de interação entre pais e filhos é uma chance de ensino de habilidades e estruturação de vínculos. Pela ludicidade é que conseguimos que crianças pré-escolares aprendam e absorvam conteúdos importantes, desde estimulação da fala, desenvolvimento motor, até habilidades necessárias para a vida diária. O brincar pode e deve estar envolvido em atividades do dia a dia como a hora do banho e da alimentação das crianças. O melhor brinquedo que uma criança necessita e quer, é um adulto disposto a estar com ela.
Gazeta – Quais tipos de brincadeiras são mais benéficos para estimular a criatividade e a resolução de problemas nas crianças?
Cássia – Dependendo da faixa etária existem brinquedos e brincadeiras mais indicadas, como por
exemplo: até os dois anos, brinquedos com cores, formas e tamanhos diferentes para estimular os cinco sentidos; entre dois e três anos as crianças adoram cantar, pular e dançar, bem como experienciar o mundo através da textura da areia, grama e água. Por volta de três e quatro anos, a criança já começa a se interessar mais por desenhos e pinturas, então jogos de montar, lápis, tintas, argilas e giz de cera são excelentes opções. Entre quatro e cinco anos, o lúdico e o faz de conta ganham mais força, pois eles tendem a imitar mais o mundo a sua volta, então lousas, casinhas, carrinhos e coisas que simulam o dia a dia ajudam na estimulação. Entre seis e sete anos as crianças compreendem melhor jogos com regras, que estimulam o raciocínio lógico, então jogos em geral, de cartas ou tabuleiros ensinam a lidar melhor com vitórias e derrotas. E, em qualquer idade, brincadeiras que estimulam a motricidade ampla, como esportes, devem ser incentivadas também.
Gazeta – De que forma o brincar contribui para a saúde mental infantil, especialmente no enfrentamento do estresse e da ansiedade?
Cássia – A criança muitas vezes vai demonstrar no brincar, e não pela fala, alguns sinais de que algo está desajustado em seu emocional. Uma brincadeira mais agressiva, uma perda de interesse no brincar ou em fazer coisas antes prazerosas são indicativos e sinais que a criança nos dá de que algo não está bem. Já pensando em intervenção e enfrentamento de questões emocionais, brincar pode ser trabalhado através da ludicidade e no refazer e repetir questões do dia a dia. Nós precisamos entender que crianças ainda não são maduras cognitivamente para expressar através da fala o real motivo da emoção que ela está deixando aflorar, então oportunizar momentos em que ela se sinta segura e que será ouvida será, muitas vezes, o momento em que ela vai conseguir expressar suas vontades ou seus medos. Muitas vezes, momentos como as refeições em família, a hora de dormir que é momento de conversar com um dos pais, a hora do banho são momentos que devem existir na família e que são protetivos e de trocas entre a criança e seus cuidadores.
Gazeta – Com a tecnologia cada vez mais presente, como equilibrar o tempo de telas com brincadeiras tradicionais e ao ar livre?
Cássia – A tecnologia deve ser encarada como algo que faz parte do nosso dia a dia. Acredito que exista ainda uma confusão no uso de eletrônicos pelos adultos. Nós somos uma geração que foi descobrindo a tecnologia ao longo do desenvolvimento, então ainda lutamos com os limites do quanto usamos. E quando pensamos nas nossas crianças e adolescentes, precisamos ter ainda mais cuidado, porque não sabemos todas as consequências que isso trará. Nós temos estudos mostrando os impactos negativos, porém os reais impactos nós veremos ao longo dos anos. Dessa forma, a melhor maneira de lidarmos com isso são os pais entendendo que tecnologia é apenas mais um recurso que pode ou não estar na rotina da criança. E, crianças precisam de rotinas bem estruturadas e de dias organizados. Desta forma, elas entenderão que existe hora para cada coisa em seu dia. Crianças que têm dificuldades de brincar sozinha ou de construir uma brincadeira precisarão de um suporte, de um cuidador ajudando e estimulando. Os adultos precisam ser “a função executiva” das crianças e as ensinarem a planejar, se organizar e buscar interesses fora das telas e de algo pronto. Então, o equilíbrio pode existir se antes o básico for feito. E o básico passa por estruturar rotinas, pais se posicionarem e manterem os combinados. Acredito que sono, atividades físicas e alimentação são questões que não devem ser negociadas. As telas devem ser vistas como algo a mais na rotina dentre todas as outras possibilidades do dia. Se existe uma dependência ou uma forma negativa que influência a família, uma ajuda deve ser procurada.
Ao fim da entrevista, Cássia salientou que “a presença dos pais e das figuras de apoio das crianças devem ser o melhor brinquedo, a melhor lembrança e a melhor hora do dia. Porque a infância passa tão depressa que, para todos nós, o que fica de quem nos marcou é a presença e não o presente. Crianças inspiram, transbordam e transformam quando nós as estimulamos e acreditamos em seus potenciais”.