O subconsciente não dorme

“Agora, o que me vem à mente nas primeiras horas do dia são pessoas do meu passado, que não estão mais neste mundo”

Minha trilha sonora de cada manhã sumiu. Agora, o que me vem à mente nas primeiras horas do dia são pessoas do meu passado, que não estão mais neste mundo. Elas reaparecem nos sonhos e ficam lembrando seus jeitos e estilos de vida, e como se relacionaram comigo.

Pois esta noite, sonhei com Dona Belinha, mãe de uma grande amiga que tive. Ela era uma pessoa que nunca sorria. Magrinha, ligeira, sempre envolvida nas tarefas do lar. Seus olhos grandes e tristes guardavam mágoas nunca esquecidas. Ao vê-la, sempre me lembrava do quadro famoso de Edvard Munch, representando uma pessoa de boca aberta, como a pedir socorro, numa ponte às escuras. Apenas vultos passando sem percebê-la, naquele desespero sem fim.

Dona Belinha era casada com um sonhador, que de tantos projetos financiados pela pequena herança da esposa, sem sucesso, acabou assumindo a representação de vinhos caros, de pouco retorno para o seu bolso. E a cada dificuldade financeira, seu talento para a poesia se transformava em um gênio difícil de suportar.

Dona Belinha valeu-se de seu talento de modista para ajudar no sustento do lar. Assim, vivendo de forma modesta, criaram seus cinco filhos, que estudaram, formaram-se e progrediram na vida: uma professora, outra secretária de repartição pública, outro engenheiro e o mais moço gerente de banco. A mais velha casou-se com um prestigiado pecuarista gaúcho e teve uma vida de grande dama.

Pois no meu sonho, a minha heroína era casada com outro conhecido meu, que também infernizou a vida da esposa com seus fracassos financeiros, vício da embriaguez e temperamento violento. Pelo menos eram ofensas só de palavras.

Concluí que foram artes do meu subconsciente que trocaram os casais. Pois a outra esposa também teve de ajudar no sustento da família, trabalhando num colégio de freiras, onde colocou as filhas de bolsistas. Era encarregada da rouparia do internato, fazia remendos, embainhava lençóis e fronhas, e outras atividades necessárias. As meninas se formaram professoras, farmacêutica, e o filho, que não estudava na mesma escola, diplomou-se médico e teve, como as irmãs, grande sucesso na profissão e na vida.

Vidas semelhantes, personagens desempenhando os mesmos papéis.

Nosso subconsciente não dorme, fica entrelaçando as histórias.