Um domingo desses, fui almoçar uma galinha crioula com arroz, feita em panela de ferro, num fogão de chapa (eu só pensava na rapa), lá pela Picada Grande, Picada do Ricardinho. Uma baita seca, pé de soja menor do que pé de feijão, açudezinhos secando, gado magro, o dono da casa contando causo de caçada de capivara no Passo Grande, e a cachorrada na corrente pra não se extraviar pela vizinhança. Tudo de bom…
Se encontraram dois guris, primos (Leandro e Alex), os dois pelos 10/12 anos de idade mais ou menos. Um morava lá mesmo, e o outro vivia na cidade. Depois de dar uns chutes numa bolinha número dois no meio dos cocurutos do terreiro e tomar uns mates de erva lavada, o guri de fora foi recorrer as arapucas que tinha no mato para pegar pombão.
‒ As gralhas comeram a espiga de milho e os bois pisotearam as arapucas, vou esperar meu pai chegar pra me ajudar montar de novo ‒ disse, desacorçoado, o caçador.
Ajudei a remontar as armadilhas roceiras, sem esperar que o pai dele chegasse, até porque eu já tive os meus tempos bons no manejo dos mundéus, e vi a atenção com que o primo urbano acompanhava a movimentação.
‒ Tu sabes o que é isso, tchê? – perguntei ao interessado.
‒ Não, nunca tinha visto coisa parecida e nem sei pra quê que serve ‒ sussurrou o piá da cidade, largando por poucos segundos o celular que dominava com desenvoltura, com os dedos grandes das mãos.
Não falei nada, mas, cá comigo, fiquei matutando acerca das diferenças culturais que ainda existem entre os poucos que ainda vivem lá fora e os que já nasceram em berço citadino. A grande maioria dos miúdos que se criam lá fora, mais cedo ou mais tarde, acaba vindo morar na cidade, por necessidade de arrumar trabalho e pelas facilidades maiores para ganhar a vida num âmbito de mais conforto e lazer.
Apenas alguns poucos, ligados ao agronegócio, permanecem na lida bruta da campanha, e alguns outros, de raízes profundas que ainda teimam com a sorte, para não largarem o pedaço de terra que receberam de herança e pelo qual ainda nutrem um amor maior do que a própria razão.
Eu sou um desses que veio pra cidade, com dez anos de idade, e ficou planejando o retorno para algum dia futurístico, que chegou como eu esperava, mas já não era o tempo que sempre sonhei:
Lá não estavam os que me viram ir embora…
Bichos de estima, serviçais e meus parentes
Minhas raízes apodreceram a campo fora
Virou deserto o meu lugar sem minha gente.
A gente pensa, quando vai, que um dia volta
E que os de casa permaneceram na espera
Eis que a saudade emangueirada se solta
E o nosso inverno não será mais primavera.
Não tem riqueza que apague o tempo perdido
Nem tem bonança que faça o tempo voltar
Só a foto antiga daquele lugar querido
Guarda a lembrança do que foi o meu lugar.