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Não sei precisar a data, mas lá pela década de 1960, eu era guri, naquele tempo em que as crianças não participavam das conversas dos grandes, quando escutei meu pai comentando com um compadre dele que havia realizado uma proeza
Ultimamente, temos assistido pela TV e visto nas redes sociais reclamações do Governo Federal sobre a taxa de juros que o Banco Central vem praticando no país. O atual presidente, Roberto Campos, que é neto do famoso Roberto Campos, que foi ministro nos tempos dos Governos ditos Militares, tem mandato fixo e autonomia técnica estabelecida por lei para praticar a política de juros do País. Para fugir da irresponsabilidade dos políticos que gostam muito de gastar dinheiro público.
Não sei precisar a data, mas lá pela década de 1960, eu era guri, naquele tempo em que as crianças não participavam das conversas dos grandes, quando escutei meu pai comentando com um compadre dele que havia realizado uma proeza. Enganara o pessoal do Banco do Brasil de Cachoeira do Sul. Plantou a lavoura de trigo com financiamento bancário, comprou um pouco da semente, levou terra do mato para análise, para não precisar comprar adubo, colheu e vendeu tudo sem “dar nem as horas” para o pessoal do BB.
Meu pai sempre dizia que os fiscais do banco não entendiam nada de plantação: certa vez mostrara uma lavoura de um vizinho, dizendo que era a dele e ninguém desconfiou de nada. Dizia, também, que gente de cidade era boba. Não conhecia a vida da campanha e se impressionava com bobagens: novela, avião, praia e essas “cosas” que só sevem para fazer o cristão gastar dinheiro. Isto que naquele tempo não havia nem shopping, nem internet.
Lá pelo mês de março do dito ano da colheita, chamaram meu pai pela Rádio Fandango, de Cachoeira, para ir ao BB. Lá, conversou com o pessoal a respeito do “pivoque” havido (equívoco dele) e renegociou a dívida para a próxima safra que, se Deus ajudasse, haveria de ser melhor ainda. Já havia guardado o trigo para a semente da nova plantação.
Meu pai nem desconfiava que os bancos não perdem nunca, e que ele mesmo era apenas um pequeno agricultor ignorante, na tentativa de lutar contra o capital que domina o mundo desde aqueles tempos de antanho.
No verão seguinte, fez boa colheita e pagou o banco como planejara. Eu fiquei faceiro, pois foi graças a esse pequeno golpe que ganhei umas calças compridas de brim cáqui e um par de sapatos pretos, costurados em quadradinhos no peito do pé, que me duraram uns dois invernos.
Analisando este acontecimento nos tempos atuais, me dou conta de que isso só foi possível porque os juros eram baixos. A dívida acumulada, juro sobre juro, não foi suficiente para quebrar o agricultor mal esclarecido.
Os bancos públicos e privados do nosso país – BB, CEF, Unibanco, Itaú, Bradesco e Santander – divulgam seus balanços anuais com ganhos excepcionais. Para o presidente da Febraban, o lucro sempre é “moral, justo e ético”. Para mim, esses resultados reduzem o crescimento do Brasil, deixando mais rico quem já vivia de grandes negociatas especulativas (os rentistas) e desestimulando que novos empreendimentos, geradores de emprego, que precisam de financiamento, sejam criados.
Se não fosse a aposentadoria dos velhinhos, o Bolsa Família (Renda Brasil), o Pronaf, as Tarifas Sociais, o Farmácia Popular, o Auxílio Emergencial na pandemia, etc., o pobre estaria mais pobre, e o setor produtivo primário, que precisa de dinheiro barato para empreender, estaria entregando o equipamento financiado para os bancos em troca da quitação de suas dívidas. Meu pai, hoje, estaria quebrado.
Ainda sou do tempo dos “papagaios”, quando o correntista, apertado, recorria ao gerente do banco e obtinha um empréstimo rápido para pagar as contas mais urgentes. Dali a alguns dias, quitava sua obrigação bancária sem grandes percalços. Faz muito pouco tempo que conseguiram dar uma reduzida nos juros do cheque especial e do cartão de crédito, que agora parece que vai acabar. Estava num ponto que, se o vivente atrasasse o pagamento para rolar para o mês seguinte, não conseguia pagar mais.
Recentemente, iniciaram uma leve redução nas taxas de juros por parte do Banco Central, a famosa Selic, mas sempre cuidando para que a inflação não aumente.