Durante todos os 35 anos em que estive na ativa, pratiquei corridas de ruas e estradas. Depois de mais veterano, passando dos sessenta, comecei a caminhar para segurar o peso e fazer o coração se esforçar um pouquinho mais para garantir uma boa saúde.

Desde que morava no Rio – na Urca, na década de 1990 –, onde muita gente caminha diariamente e o clima lhes ajuda, tenho o costume de prestar atenção nas conversas dessas pessoas que cruzamos, paradas ou andando, para botar tenência em parte dos diálogos que escutamos. Aqui na Av. Santos Dumont, especialmente no verão, o fluxo de pedestres é enorme, principalmente pelos finais de tarde. Parece até que toda aquela gente que circula passou o inverno encerrada em casa e, agora, com a luz do sol da estação, sai para a rua para andar e conversar.

Os trajes são os mais diversos e variados, de acordo com a idade e com o costume dos viandantes: bermuda, calção, bombacha arremangada, legging, shortinho, minissaia, camisa de manga comprida e até aqueles moletons malucos de capuz, sapato, tênis, chinelo, chuteira, etc.

Dia desses, observei uma senhora que caminhava de vestido, devagar, com o celular grudado no ouvido, explicando para não sei quem que aquela outra mulher não era uma pessoa qualquer e que, por certo, não aceitaria ser enrolada da maneira que a interlocutora estava tentando fazer.

Noutro dia, um carroceiro, estacionado, carregado de melancias, explicava, para um amigo que parou para conversar, os motivos pelos quais o Grêmio caiu para a Série B.

Outro, aos berros, tentava vender seu carro, o melhor já fabricado no mundo, para outro de bombacha que descarregava uma carga de lenha para o inverno.

Dois guris de meião trotavam para chegar na quadra de esportes aqui do lado, na tentativa de completar algum dos times donos do horário pago, já que eles não tinham dinheiro nenhum e estavam com vontade de matar a fome de bola.

É muito comum determinadas pessoas pararem para conversar com os cachorros vira-latas que povoam as redondezas ou demonstrar a sua dó para com os cavalos atados à soga, na beirada da estrada, sem beber água o dia inteiro.

Tem também os brigadianos que correm com mochila nas costas, de certo para não andarem desarmados, afinal, nunca se sabe o que encontrar pelo percurso.

Não é nem um pouco raro aqueles corredores de final de semana começarem a correr, no início da pista de asfalto, como se fossem o Usain Bolt e parar logo ali pelos duzentos metros, bem na frente da minha casa, estafados.

Tem ainda os que aproveitam os deslocamentos para surrupiarem flores e frutos das casas dos outros e dos canteiros que não plantaram ao longo dos mais de dois quilômetros da faixa.

Existem alguns que, como eu, tomam seus mates sentados nas varandas, depois da caminhada, para especular sobre quem é que anda preocupado com a forma física, e até os muitos que passeiam de carro nesse horário para apreciar o movimento e gastar um pouco de gasolina, que anda bem barata.

E olhem que não escuto mais coisas porque caminho com fones nos ouvidos, sintonizado no “Pampa na Garupa”, da Rádio Caçapava, que inicia às dezessete horas, depois do “Clube dos Namorados” ou dos casamentos e “tragédias” do Claremi Teixeira. Aliás, tudo na linha da fofoca, que nem essa croniqueta que publico. Que bom falar da vida dos outros, sem maldade, não é mesmo?