Gastão Heberle é escritor e proprietário de galerias de arte em Ibiza, Espanha, onde vive há mais de 40 anos com a esposa, a caçapavana Jussara Miranda Heberle

Faz mais de três semanas* que toda a população espanhola está confinada. As normas são cada vez mais restritivas, assim como os motivos para poder sair.
No início parecia uma situação inverossímil, impossível de ser cumprida, ainda mais para os espanhóis, com fama de indisciplinados e pouco cumpridores de regulamentos extremos.
Agora já se sabe. As pessoas ficam em casa nas cidades grandes e pequenas. Todo o comércio fechou, e agora, quando se renovou a quarentena por mais duas semanas, também as indústrias e a construção civil. O país parou.
O vírus não tem nenhum remédio específico. A vacina vai custar a chegar. A contaminação é global. As cidades desertas só se animam às 20 horas de cada noite, quando todas as sacadas são ocupadas para que a população aplauda o personal sanitário, os novos heróis indiscutíveis desta nova guerra. E ouve-se música. A mais ouvida é a canção “Resistiremos”. Depois volta o silêncio.
O governo faz o que pode. Essas medidas incômodas são bem aceitas de modo geral. O que causa espanto é o despreparo dos hospitais para uma situação de emergência. Falta o material sanitário mais essencial, desde roupas e máscaras até os testes para detectar a doença nos enfermos e também nos trabalhadores da área da saúde. E isso no país que se considera ter a melhor saúde pública do mundo.
A economia está globalizada ao ponto de todo o mundo depender da China para manter os hospitais e as farmácias abastecidos dos produtos mais indispensáveis. O resultado são os atos de pirataria para roubar carregamentos de respiradores e luvas e máscaras em aeroportos de países amigos.
Nada voltará a ser igual depois do feliz dia em que formos declarados fora de perigo. A crise econômica, que de momentos tem um custo incalculável, vai modificar costumes e prioridades. Nenhum governo vai poder desprezar o sistema público de saúde, usar estatísticas falsas de crescimento para esconder a desigualdade, mentir, fanfarronar em vez de trabalhar.
Para nós brasileiros, também para os que vivemos no Exterior, continua valendo o verso do poeta Drummond de Andrade:
– E agora, Jair?

*Texto escrito em 06 de abril de 2020.

Por Gastão Heberle