O jogo do osso, ou jogo de tava, é uma disputa muito antiga, praticada pelos gaúchos do interior, brasileiros, argentinos e uruguaios. Dizem que tem origem em 2000 a.C., quando foi costume dos persas, e que chegou a América trazido pelos espanhóis, em meados do ano 1600.
Consiste em uma cancha curta de chão batido, de cerca de uns trinta passos de comprimento por um metro de largura, onde dois contendores, cada um numa extremidade do terreno demarcado, atiram um osso, alternadamente, de uma ponta para a outra. Ele é oriundo do garrão do boi, ferrado em dois dos seus lados por chapas de metais diferentes, um lado de bronze e outro de latão, que representam, respectivamente, sorte ou culo. Quem conseguir “clavar” uma sorte é o ganhador da parada, e na mesma hora já recolhe o seu prêmio com o coimeiro, postado sobre o meio, por fora, para recolher o percentual que cabe ao dono da cancha. Pode, também, ser praticado por equipes, o que normalmente acontece quando a disputa é oficial, entre CTGs ou Piquetes.
É muito praticado na região da Campanha, em dias de carreira de cancha reta, ou nos finais de semana, nos fundos dos bolichos do interior, com muito grito, desafios, notas de dinheiro pelo chão e jogadores encarniçados na arte.
Foi numa tarde mormacenta de final de novembro que o Mário Paciência, sem nenhum tostão no bolso, de carona, se introduziu num comércio de carreira lá na Cancha do Picó. O movimento era dos bem grandes. Havia gente à borla pé e jogatinas caça-níqueis em quantia. Havia muita sobra de churrasco e muito cachorro da vizinhança carregando espeto de vassoura vermelha e pitangueira com resto de carne a campo fora. Muitas donzelas campeando namoro, e muitos machos, já altos na cerveja, encaminhando carreira e patacoando pelas barracas ou pelas muitas sombras do lugar.
Deu uma volta pelo povo, cubou, bajulou e concluiu que, sem dinheiro nenhum, as coisas não se modificariam, e a sua situação não se alteraria. Descobriu pra que lado ficava a cancha de osso e se aprochegou, na esperança de encontrar algum parceiro que, pelo menos, lhe convidasse para uma gelada. Já era final de tarde, pendendo pra boca da noite, e muito em breve aconteceria a carreira grande, que fora retardada em mais de hora por causa do calor estafante para a cavalhada enfurnada pelos matos, de capa e biqueira.
De pronto, quando se encontrou com o furdunço atopetado de gente, na beira do mato, na sombra rala dum salso chorão, viu que o tempo se enfarruscava, levantando umas nuvens pesadas justo pros lados dos castelhanos. De repente, apareceu uma ventania quente, levantando panos, folhas das árvores e esparramando a gentarada assustada com a mudança repentina do tempo. Teve mais sorte que juízo por não se assustar com a tempestade, quando lhe passou por cima, junto com a folharada seca que se espalhava na direção que ia o vento, uma onça de cinquenta, sem dono ou reclamante, que ele ligeiro como um gato enfiou no bolso da bombacha, na velocidade de um caçador de ratos.
Se foi pra barraca grande, encontrou umas gurias que já conhecia, e mandou baixar uma travessa de pastel recém fritado na banha de porco e meia dúzia da cervejas da marca mais gelada que tivesse. Saiu dali tarde da noite, sem nem um pila no bolso e com sérias promessas de arrumar um namoro pro futuro. Nunca mais foi à carreira sem saber onde ficava a cancha de osso, apesar do ditado que reza, de que o raio nunca cai no mesmo lugar, por mais azarado que seja o cristão.