Mendel, o pai da Genética, estudando o embrião de plantas, animais e gente, deixou-nos conhecimentos importantes sobre a questão da hereditariedade. Aquela sementinha que dá começo a nossa vida contém os elementos essenciais para compor a pessoa que daí vai nascer. É como um chip de computador, pequenino, com dados, comandos e toda essa maravilha da tecnologia atual, que só falta ter vida própria. Ao contrário de nós.

Herdamos dos pais seus caracteres que, por sua vez, eles herdaram de seus genitores, e esses dos seus, e assim vamos evoluindo, combinando genes maternos e paternos, misturando variantes para sermos essa pessoa única, cujas digitais são apenas nossas, ninguém pode copiá-las.

Mas há certos fatores dessa herança que são mais fortes – os dominantes. São os traços que distinguem uma família de outra. Cor da pele, do cabelo, dos olhos. Tendência a doenças como diabetes, cardiopatias, câncer… E também o temperamento que produz as manias. No anedotário da família, é comum a gente comparar um rabugento, por exemplo, com um ancestral que é lembrado pelo constante mau humor. “Baixou o Anacleto nele”, dizemos rindo, e até o atingido tem de achar graça.

Na ala feminina da minha família, tenho um exemplo flagrante de como essas tendências se propagam:

Minha mãe teve duas irmãs. A mais velha, vou chamá-la pelo apelido – Zezé –, teve as sequelas de um envenenamento em adolescente e ficou com a saúde abalada para sempre. Isso não a impediu de ser paquerada pelos moços da época, pois era muito bonita. A segunda, a Didi, também chamava a atenção pelos belos traços, por ser alta e elegante, quando, no geral, as mocinhas da época eram baixas e gordinhas. Casou cedo, teve uma bela casa, algumas amigas do peito, que a acompanhavam nas visitas sociais, festas e campanhas de caridade. Minha mãe, a Quita, quando pequena, era chamada de Mosquitinha, daí o apelido. Costumava atender suas irmãs, buscando amostras de tecidos nas lojas, a cartela dos botões e outros aviamentos, recebendo, muitas vezes, os fogos dos lojistas incomodados. Minha mãe era simpática e prestativa. Na vida adulta, elas continuaram amigas, ajudando-se mutuamente nas necessidades. Minha mãe revelou-se uma delicada enfermeira à cabeceira das irmãs que adoeciam.

Pois bem, minhas irmãs, Maria Augusta e Doroty, também tiveram seus apaixonados, eram bonitas e atraentes. Nos bailes, não lhes faltavam pares. E eu? Contentava-me quando me achavam simpática. Era chá de pêra das duas e fazia crochê enquanto dançavam. Mas como eu gostava de vê-las brilhando!

Doroty era afilhada da Zezé. Casou com um pecuarista, assim como sua madrinha. Coincidentemente, o marido da Doty era sobrinho do padrinho. Ela era alegre e brincalhona como a Zezé, mas depois que teve hepatite, nunca mais foi a mesma. Sofria de uma doença após outra, e seu mundo ficou limitado com os tratamentos, remédios e achaques. As duas, madrinha e afilhada, apreciavam demais as nossas visitas. Éramos recebidas com palmas e vivas, e achávamos difícil deixá-las.

Maria Augusta herdou o bom gosto de sua madrinha, adorava fazer compras e, como a Didi, tinha um bom olho para descobrir a mercadoria mais interessante da loja e de melhor preço. Nisso, às vezes, se enganava, por causa dos 99 centavos que os comerciantes acrescentavam. Ela lembrava só os reais e, quando ia contar-nos, já os diminuíra, por esquecimento. Por coincidência, a Didi gabava o peru de Natal que um verdureiro oferecia de porta em porta. “Quita, ele é deste tamanho”, e mostrava com os braços como ele media. Mamãe resolveu perguntar: “Viste?” E ela, encabulada, confessou: “Não, ele tinha dobrado a esquina.” Esta é uma das jóias de nosso anedotário.

E eu? Continuei visitando-as todos os dias, dando-lhes caronas para as compras, missas, aniversários e visitas sociais. Também as mantive informadas dos endereços de profissionais para consertos caseiros. Até hoje, seus filhos ainda recorrem a minha agenda para o necessário contato.

E a Regina, nossa mana caçula? Essa herdou todinha a herança materna, com os filhos debaixo das asas, acolhendo seus amigos, cônjuges, parentes dos parentes, nessa casa abençoada e feliz. E do papai, a carreira de contadora, com toda a exatidão dos números e das contas que nosso genitor fazia por vocação e dever.

“Na natureza, nada se perde, tudo se transforma”, dizia com propriedade Lavoisier.