Maria da Penha (esq.) levou um tiro do então marido, pelas costas, enquanto dormia, o que a deixou paraplégica. A Lei nº 11340/2006 leva seu nome como reconhecimento de sua luta contra as violações dos direitos humanos das mulheres. Na foto, ela e Débora Freitas durante evento em Brasília em 2007.
Psicóloga Débora Saldanha de Freitas Especialista em Violência Doméstica USP/SP deborafreitaspsico@gmail.com
Infelizmente, tornou-se recorrente ligarmos a TV e assistirmos notícias de casos de feminicídio, de violência contra a mulher. Ali, naquela notícia, geralmente o que vemos é o desfecho trágico de um drama que começou muito tempo antes. Trata-se, geralmente, de uma longa história que pode ter começado com pequenos gestos e comportamentos abusivos dia após dia.
Dados recentes mostram que o Brasil, em 2020, registrou um caso de feminicídio a cada seis horas e meia, num total de 1.350 casos neste ano que passou. Estes números de violência fatal geralmente começam com violência psicológica, uma forma de violência que às vezes não é percebida como tal.
A Lei Maria da Penha, que no último dia 07 de agosto completou 15 anos, e que tem como objetivo garantir a proteção e assegurar o direito das mulheres, define diferentes tipos de violência: física, sexual, moral, patrimonial e agora também a violência psicológica. Esta última, enquadrada recentemente como crime com pena de seis meses a dois anos de reclusão e multa.
A violência doméstica contra a mulher envolve atos repetitivos, que vão se agravando, em frequência e intensidade, desde tentativas de controle e dominação, humilhação, desqualificação, ameaças, produzindo na vítima um medo permanente. Estas situações podem evoluir para agressão física, sexual e até à morte.
A violência psicológica acontece repetidamente, e é bastante comum nestas situações, por exemplo, o homem aterrorizar a mulher ameaçando atacá-la, isolá-la dos familiares e amigos (a mulher, muitas vezes, também se afasta por sentir vergonha do que está passando), cercear a liberdade para trabalhar e estudar, e apresentar uma situação como se ela estivesse sem saída. É comum ainda a mulher ter a sensação de estar “pisando em ovos” para não deixar o companheiro irritado, sentindo-se destruída emocionalmente, com baixa autoestima e, não raro, apresentando quadros depressivos ou alto nível de estresse. Esta violência que é manifestada através destes comportamentos, muitas vezes, não é identificada pela mulher como violência. Embora exista sofrimento psíquico, somente quando evolui, em alguns casos, para a agressão física, é que ela percebe que está numa relação violenta.
Outros atos como intimidação, fazer a mulher sentir-se mal com ela mesma, pensar que está louca, acreditar que é a culpada, desconsiderar sua opinião ou criticá-la na frente de outros, usar os filhos para fazer chantagem, controlar o dinheiro, enfim, são outros indicativos de uma relação patológica. Cada caso irá se manifestar de modo diferente, nem todos, obviamente, terão um desfecho fatal ou trágico, mas é necessário estar atenta aos sinais que geralmente seguem um padrão, caracterizando o ciclo da violência.
Muitos se perguntam por que as mulheres aguentam tanto tempo uma relação destas. E a resposta costuma vir carregada de preconceito e pré-julgamento, onde é bastante comum escutarmos que, se elas ficam num relacionamento por tanto tempo, é porque devem gostar de sofrer, porque não têm caráter ou até porque não têm “vergonha na cara”. No entanto, um olhar atento, com empatia e cuidado, pode perceber que a realidade é bem diferente. Geralmente, os motivos de não conseguirem sair de relacionamentos violentos passam pela vergonha de buscar ajuda, pelo medo, pela esperança de que o companheiro mude, pela falta de uma rede de apoio, pela dependência econômica, entre outros tantos motivos.
Apesar da Lei Maria da Penha, de já termos avanços significativos, ainda vivemos numa sociedade despreparada para lidar com este problema, considerado uma “pandemia silenciosa”.
O caminho da resolução deste conflito não é fácil ou rápido. É um caminho com idas e vindas, medos, frustrações, hesitações. É necessário o apoio de familiares e amigos e profissionais especializados, sejam da esfera pública ou privada. Na rede pública, temos aqui em Caçapava o CREAS (vinculado à Secretaria Municipal de Ação Social), com sua equipe multiprofissional extremamente capacitada para acolher e encaminhar situações que envolvam todo tipo de violência doméstica. Também há um projeto em andamento com a Polícia Civil de uma sala, chamada Sala das Margaridas, que será um espaço adequado de escuta e atendimento às mulheres vítimas de violência para que possam denunciar num ambiente onde se sintam seguras e protegidas. Também existem outros recursos para denúncia: os telefones 181 (disque denúncia) e 190 (Brigada Militar), a denúncia digital 181 ssp.rs.gov.br/denunciadigital. E também grupo de autoajuda online como #juntasportodas, que tem encontros quinzenais online (whatsApp para contato 51-981195355).
Cabe à sociedade entender que deve acolher mais e julgar menos. E às mulheres que estão atravessando esta situação, por mais escuro que tudo pareça no momento, entender que há sempre uma saída, e que ela não está sozinha.
(Fontes consultadas: Jornal Zero Hora de 07 de agosto de 2021 e Enfrentando a Violência Contra a Mulher; Bárbara M. Soares – Brasília: Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, 2005.)
Foto: arquivo pessoal